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trecho percorrido |
Um dos únicos município–arquipélago
marinho brasileiro, Ilhabela está localizada no litoral norte do estado de São
Paulo, na microrregião de Caraguatatuba. Reduto de milhares de paulistanos nos
finais de semana, feriados e alta temporada, a ilha é conhecida por sua ótima
estrutura turística e qualidade dos serviços oferecidos. Com aproximadamente
350.000km², apenas uma pequena
parte de sua área – nesse caso a que possui maiores facilidades e
infraestrutura – é intensamente frequentada por turistas convencionais.
Considerando esse fato e meu interesse em explorar locais pouco modificados e
com maior identidade ambiental e cultural, optei por criar um roteiro diferenciado
envolvendo off road, trilhas caiçaras, praias desertas, piscinas naturais,
canoas motorizadas, artesanato e comidas típicas. Em resumo, segue o relato de
mais de 100 quilômetros percorridos entre estradas, trilhas e mar em um único
dia.
Início:
Eram 07 horas da manhã e eu já
me encontrava na área central da localidade para acertar os últimos detalhes.
Dentre as diversas opções de acesso à praia de Castelhanos, localizada no
extremo leste da ilha com acesso por uma estrada de 22km, optei por locar o
serviço de transporte 4x4. O trecho é
relativamente pequeno, porém sinuoso em determinados locais. Cortando a ilha
por áreas de relevo, no ponto mais alto da estrada chegamos a uma altitude de
800m e consequentemente a descida final até a praia.
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imagem: www.casanailhabela.com.br |
Praia de Castelhanos
Castelhanos é a maior praia de Ilhabela
e possui aproximadamente 01km de extensão. O acesso pode ser feito por mar e
por terra – a pé, bicicleta, motocicleta ou jipe. O visual é paradisíaco e com
pouca infraestrutura. Uma indicação para quem desejar apenas passar o dia em
Castelhanos é realizar uma trilha a pé até a cachoeira do gato.
Bem, como estava apenas de
passagem e o tempo era limitado, pela orla da praia, caminhei até seu limite na
ponta norte. Ali, em um pequeno quiosque já me aguardavam o Rogério e o Vagner,
dois caiçaras jovens e moradores da comunidade de Serraria – praia localizada
na região nordeste do arquipélago – que atuam como guias e trilheiros daquela
região. Junto a eles e para minha surpresa, também estava de prontidão o
pequeno Bilo, um cachorro vira lata acostumado a longas jornadas nas áreas mais
irregulares possíveis. Após conferência de material, suprimentos e
abastecimento de água, iniciamos a trilha que nos levaria até a praia de
Serraria.
praia de castelhanos |
área central de castelhanos |
recursos hídricos |
Trilhas, águas cristalinas e misticismo.
O que me aguardava nas próximas
05 horas, eram 15km de trecho altamente sinuoso entre picos das montanhas e
pequenos vales próximos às praias que ali se encontravam. A primeira hora de
caminhada se resumiu em uma trilha de fácil acesso em aclive. Aos poucos, fomos
subindo aquele morro com ótima vista para o mar e ao fundo Castelhanos de
apresentava por completo. Dali pra frente o percurso foi apresentando o lado
mais selvagem da localidade, com mata fechada e trilhas mal conservadas, onde apenas
com os guias, conseguíamos definir a direção a ser alcançada.
Um fator surpreendente é a
quantidade de recursos hídricos existentes. Inúmeras nascentes e piscinas com
águas cristalinas são alcançadas e servem de refresco e contemplação nos momentos
de parada. Um fato curioso que percebi no caminho, é de como aquela região é
frequentada por caiçaras pescadores com foco na identificação de grandes árvores
– em muitos casos centenárias – com o objetivo de construção novas canoas que
facilitarão o trabalho na pesca artesanal. Algumas clareiras foram encontradas
já com os troncos esculpidos apenas aguardando o momento de serem conduzidos
para os pequenos vilarejos. Se a dificuldade de deslocar pelas trilhas já era
considerável, imagino como seria trabalhoso conduzir um objeto com o peso de
centenas de quilos entre as montanhas e morros que cercam a localidade.
canoa em processo de confecção |
Com mais da metade da trilha percorrida, chegamos a praia da caveira, um local paradisíaco e totalmente inabitável. A praia com algumas centenas de metros, oferecia uma das piscinas naturais mais belas que até então havia visto. Com água muito cristalina e calma, o pequeno rio seguia seu fluxo até o mar. São muitas histórias místicas que compõe aquele lugar. Em conversa com os guias locais, o nome da praia deve-se a um antigo naufrágio realizado no sul da ilha e após meses todas as ossadas dos tripulantes da época apareceram ali.
praia da caveira |
piscina natural - praia da caveira |
Outro fato interessante do
trajeto percorrido são as pequenas construções instaladas. Nada que chegue
perto de uma pequena vila, mas algumas casas feitas de “pau a pique” em péssima
conservação, são encontradas em pontos esporádicos.
casa de pau a pique |
poço na nega |
Praia de Serraria:
Localizada em meio à costões de
pedras, esse destino só pode ser alcançado por trilha ou embarcações. Sua orla
possui aproximadamente uns 200 metros onde vivem aproximadamente 130 pessoas,
divididos em vinte e poucas casas. A economia do local depende exclusivamente
da pesca e muitos turistas sequer ouviram dizer sobre a comunidade. Energia
elétrica não existe. A distribuição de luz por um pequeno período da noite é
distribuída por um gerador a diesel, onde a intensidade da iluminação é mínima e
permite o funcionamento apenas de algumas tvs. Aquecimento de água e
refrigeração dos peixes são feitos por outros meios.
nascer do sol em serraria |
comunidade de serraria |
crianças de serraria |
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orla da praia de serraria |
O relógio marcava 14h e após
conhecer os moradores, fui levado para provar um dos pratos típicos preparados
especialmente para minha visita. A fome naquele momento era enorme e fui
surpreendido pela conhecida “tainha
feita no buraco”. O processo é
basicamente simples. Após a tainha limpa, temperada e enrolada em folhas de
bananeira, um buraco de aproximadamente 40 centímetros de profundidade na areia
é cavado e colocado pedras fervilhadas em uma fogueira. Com o peixe em meio às
pedras e o buraco coberto novamente com a areia, aquilo se torna uma espécie de
forno e depois de algumas horas o peixe se encontra cozinho. Acompanharam o
prato principal, arroz, farofa e salada verde cultivado em uma horta orgânica
da própria comunidade. Com toda sinceridade, o aroma e paladar oferecem uma
sensação impar.
Com as energias repostas, as
próximas duas horas reservavam o descanso e contemplação da praia, junto ao conhecimento
do artesanato local, com diferentes obras em sua grande maioria feitas de
bambu.
Com o final da tarde se
aproximando, fui apresentado ao Érico, pescador experiente e responsável pelo
meu deslocamento até a área central na ilha. Diferente de todas as embarcações
que até então já havia utilizado, o trajeto foi realizado por uma canoa
motorizada no auge de seus 40 anos. Segundo Érico, a canoa foi uma herança de
seu pai.
retorno pela face norte |
final da tarde - retorno |
O trecho percorrido possui mais
de 70km e ocupada toda a faixa nordeste, ponta norte e noroeste do arquipélago.
A paisagem atípica, junto ao relevo montanhoso e pôr do sol se iniciando,
formaram uma das paisagens mais belas daquele dia.
Por volta das 18h30, estava
novamente à praia do Perequê na área mais urbanizada e turística da Ilhabela.
Foram 12 horas de percurso com uma realidade completamente diferente do dia a
dia das pessoas que frequentam a localidade.
Após experiência realizada, trechos percorridos, cenários observados e o
povo fiel a sua origem, posso afirmar que foi suficiente para conhecer sua
verdadeira identidade.